segunda-feira, 2 de outubro de 2017

escuta do cinza: ruído e silêncio


ruído cinza, silêncio cinza é uma peça octofônica, composta por oito cartazes de cores distintas, a serem afixados em ambiente urbano (preferencialmente em postes de iluminacão adjacentes entre si ou posicionados em lados opostos da mesma via, de maneira a sugerir um percurso possível entre eles). Sete destes cartazes têm a palavra “ruído” grafada em caixa baixa, sendo que o oitavo traz a palavra “SILÊNCIO” escrita em maiusculas, sendo o texto sempre na cor cinza. Os nomes das cores que preenchem os cartazes são comumente utilizados na área de áudio para descrever diferentes tipos de ruídos, fazendo em geral analogia com o espectro de cores presente na luz visível. 

Ruído colorido

O ruído branco contêm todas as frequências audíveis para o ser humano soando com a mesma energia (tal qual a luz branca contém a somatória de todas as cores visíveis). 
Já o ruído rosa tem menos energia em direção às frequências agudas e mais energia em direção às frequências graves, sendo que a intensidade de cada frequência (f) obedece à proporção de 1/f (como o vermelho é a cor com a frequência mais baixa, este ruído é chamado rosa, por ser um branco puxado para o vermelho). Há também o ruído vermelho, cuja ênfase nas frequências graves é ainda maior (proporção 1/f²), sendo também imprecisamente chamado ruído marrom, pois suas frequências podem ser geradas por um movimento browniano. Fala-se também em ruído azul e ruído violeta, obtidos invertendo-se a relação entre frequências graves e agudas nos ruídos rosa e vermelho/marrom, respectivamente. O ruído preto é um termo que não tem uma aplicação técnica consensual, podendo se referir à ausência total de frequências (silêncio), em oposição ao ruído branco.

Por último, o ruído cinza seria um ruído atenuado por uma curva específica que respeita a sensibilidade do ouvido humano (que é maior em algumas frequências e menor em outras), de maneira a garantir que todas as frequências sejam percebidas com a mesma intensidade. Essa ênfase na percepção faz com que idealmente não possa existir um único ruído cinza, pois condições escuta específicas e mesmo características individuais de cada ouvido podem interferir neste equilíbrio percebido das intensidades. O ruído cinza tem portanto nuances determinadas por uma condição de escuta específica, localizada e individual.

A cidade cinza

No contexto urbano da cidade de São Paulo, a cor cinza ganhou uma nuance especialmente dramática, sendo usada para cobrir de maneira arbitrária e espetacular de porções de arte urbana, tomada pela administração municipal como ruído indesejado a ser silenciado para "embelezar" a cidade. Cinza, ruído e silêncio são elementos que esta intervenção busca, de alguma maneira, trazer para a escuta.
Os espaços escolhidos para duas intervenções realizadas até o momento são palco de disputas pelo espaço urbano que colocam o som em posição privilegiada. Na praça Roosevelt, os mesmos teatros que impulsionaram a revitalização da região há não muito tempo foram multados por excesso de barulho. Já a Luz, tem um espaço privilegiado dedicado à música, à Sala São Paulo, que constitui um enclave estratégico para um processo de especulação imobiliária de grandes proporções que já está em curso há décadas e recentemente está se acelerando.


 
Intervenção realizada na Praça Roosevelt, em São Paulo (29.08.2017). 
Registro audiovisual: Rui Chaves

Intervenção realizada na região da Luz, em São Paulo (14.09.2017).
Registro audiovisual: Rui Chaves 

segunda-feira, 20 de março de 2017

_gestuário


O projeto _gestuário reúne a dançarina Maíra Alves, o compositor Rodolfo Valente e o violoncelista William Teixeira, espécie de recital para violoncelo, sons eletrônicos e dança, que toma forma em torno de duas áreas nas quais a gestualidade emerge como uma área de investigação privilegiada: a música eletroacústica mista (que combina instrumentos acústicos e sons eletrônicos) e a dança contemporânea. Estreado em outubro de 2016 no estúdiofitacrepe-sp, este projeto visita um repertório construído a partir de colaborações diversas entre seus integrantes Eduardo Frigatti, Felipe de Almeida Ribeiro, Felipe Merker Castellani, Danilo Rossetti. Além de atuar operando os sons eletrônicos em todas as peças, também contribuí para o repertório com o estudo sobre materiais resistentes nº1.

 
Neste estudo, realizei interferências de escritura e eletrônica na conhecidíssima suíte em ré menor BWV 1008 de J. S. Bach. A gravação acima contém apenas o primeiro movimento, que já havia "reescrito" em 2011 com o intuito de fazer parte da trilha sonora de um longa-metragem do cineasta Alexandre Charro. O ponto de partida foi uma linha diagonal traçada na página da partitura, indo do canto superior direito ao canto inferior esquerdo. O que estava escrito à esquerda da linha foi mantido no original, o que estava à direita foi completamente reelaborado, buscando uma rítmica mais solta, diferentes formas de emissão sonora (harmônicos, pizzicati, etc.) e uma certa estranheza harmônica. Como se aos poucos fôssemos saindo de um universo sonoro extremamente familiar, que vai desaparecendo para dar lugar a uma textura sonora completamente diferente, acentuada por uma multiplicação eletrônica destes novos sons, que também vai se fazendo cada vez mais presente.

Mostrei a partitura para o violoncelista William Teixeira e, por conta de nossa conversa, em 2016 "reescrevi" os demais cinco movimentos da suíte (allemande, courante, sarabande, menuett, gigue), cada um com um tipo específico de intervenção . Até o momento, apresentamos esta peça duas vezes, uma em Curitiba, outra em São Paulo (já incorporada ao projeto _gestuário). Temos a intenção de em breve fazer novas apresentações deste projeto e, se tudo der certo, também uma gravação completa das composições.