foto: Julio Kohl
Terra,
resto de incêndio. Substrato para pés, plantas e casas, originado
de tudo
aquilo que resiste a se purificar pela violência do fogo. Parece-me
necessário cuidar disto
que
não tem por natureza incinerar-se, isto
que
teimosamente permanece. Trata-se de
uma
escolha que não se pode subjugar pelo
racional
nem pelo
consciente,
entranhada que está
nos
limites da própria matéria e a faz se entregar menos que por
inteiro, impedida
por
uma
inércia
mineral peculiar.
Ao ser
convidado para escrever resto do incêndio (2013) para o excelente Epifania Piano Trio (Alberto Kanji ao violoncelo, Felipe Scagliusi ao piano e Simona Cavuoto ao violino), veio-me à mente o ano do dragão
que foi 2012, despejando sua cólera ígnea sobre favelas da capital
paulista em incômoda consonância com porções de terra cobiçadas
pela especulação do capital. Apesar da reminiscência de ícones
ancestrais de fertilidade nos falos de concreto, estes não celebram
pulsões coletivas de vida, sendo antes bloqueios estéreis à
fluidez das relações horizontais que eventualmente houvesse nos
bolsões de moradia precária, agora reduzidos a cinzas. Edifícios
moldados pela lógica bruta da exclusão, totens que simbolizam
antes o terror que o amor ao próximo (feito distante pelas muralhas
dos bunkers citadinos,
que o eufemismo mercadológico
designa
“moradias
de alto padrão”).
Partindo da premissa absurda de encontrar correlatos processuais e formais para esta imagética densa, desejei uma dialética não-narrativa entre os modos de atuação dos elementos fogo e terra, tensionando entre irrupções gestuais e permanências prolongadas. Por isso, interessei-me por acidentes formais (inesperados à percepção, embora premeditados na estrutura) e fiz durações de seções, suas subdivisões e densidades serem moldadas pela indiferença fria de sorteios eletrônicos. Às arbitrariedades e incongruências resultantes permiti operar sobre um desenvolvimento harmônico orgânico, progressivo e linear, calcado na evolução bidimensional de um único ciclo intervalar. Daí em diante, o artesanato ficou livre para encontrar seus próprios caminhos, revelando-se em texturas rarefeitas e polifonias intrincadas.
Uma bela estreia de resto do incêndio aconteceu pelas mãos cuidadosas do Epifania Piano Trio no dia 5 de dezembro de 2013, durante o festival Música Estranha!. Em fevereiro de 2014, o álbum 3+2/SP, do qual a peça faz parte, será oficialmente lançado, incluindo peças de compositores talentosos como Marcus Siqueira, Maurício de Bonis, Rodrigo Lima e Thiago Cury. Então preparem-se: um belo concerto de lançamento está a caminho!
Partindo da premissa absurda de encontrar correlatos processuais e formais para esta imagética densa, desejei uma dialética não-narrativa entre os modos de atuação dos elementos fogo e terra, tensionando entre irrupções gestuais e permanências prolongadas. Por isso, interessei-me por acidentes formais (inesperados à percepção, embora premeditados na estrutura) e fiz durações de seções, suas subdivisões e densidades serem moldadas pela indiferença fria de sorteios eletrônicos. Às arbitrariedades e incongruências resultantes permiti operar sobre um desenvolvimento harmônico orgânico, progressivo e linear, calcado na evolução bidimensional de um único ciclo intervalar. Daí em diante, o artesanato ficou livre para encontrar seus próprios caminhos, revelando-se em texturas rarefeitas e polifonias intrincadas.
Uma bela estreia de resto do incêndio aconteceu pelas mãos cuidadosas do Epifania Piano Trio no dia 5 de dezembro de 2013, durante o festival Música Estranha!. Em fevereiro de 2014, o álbum 3+2/SP, do qual a peça faz parte, será oficialmente lançado, incluindo peças de compositores talentosos como Marcus Siqueira, Maurício de Bonis, Rodrigo Lima e Thiago Cury. Então preparem-se: um belo concerto de lançamento está a caminho!
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